domingo, 7 de agosto de 2011

Encontro

Uma, alta e loira. Cabelos lisos. Translúcida em sua tez. Olhos com amarelo a camuflar ora o verde ora o azul. Bolsa transpassada. Jeans e tênis.
A outra mais baixa, morena, cabelo ondulado sempre ajeitadinho. Bela, como era bela! Sorriso largo, transgressor, quase irônico. Olhos como jabuticabas. Membros inferiores limitados pela pólio, desenvolvida ainda bebê ao receber vacina estando com o vírus. Bolsa transpassada. Jeans e botas - precisava de firmeza para caminhar.
Bolsas transpassadas, de couro, anos 80. Influência do movimento hippie. Desdobramentos da abertura política.
Uma... fazendo dos estudos ponte para tornar-se educadora e aprofundar sua militância política.
A outra... forjando o direito de estudar, teimando em estar e sentir-se viva, sujeito de direitos. Abrindo espaço na sociedade que segrega. Queria estudar e... talvez ser educadora.
Uma... firme e ágil em seus passos. Pernas longas. Facilidade para locomover-se. Vento nos pés. Vento no olhar.
A outra... pernas submissas ao tônus que oscila. Simplesmente caminhar, desafiador demais. Perna que falha. Tombos iminentes. Vento... no olhar!
Uma... estudante de magistério... olhava para cada ser como sujeito de direitos.
A outra... também no magistério... vivia a necessidade premente de ser e estar, de poder. Ao empinar o nariz e andar, impactava aos demais, desafiadora. Enxergava os demais, mas prioridade era fazer-se valer, ganhar espaço, existir.
Uma... não soube o que fazer ao primeiro tombo da outra. Ofereceu seus braços para que se reerguesse.
A outra... não tolerava ajuda. Tinha as marcas de quem precisa diariamente provar independência. Provar-se merecedora de estar viva.
Uma... estranhou a recusa de ajuda vinda da outra.
A outra... insistia em rejeitar ajuda. Não queria ser alvo da pena dos demais.
Uma... certo dia... acolhendo, inclusive gritos e impropérios na reafirmação de autonomia da outra, buscou mostrar-se parceira sem anular a luta da outra.
Uma... num determinado tombo da outra... silenciosa e simplesmente sentou-se a seu lado, no meio da rua. Compartilhou a queda!
A outra... boquiaberta... não sentiu-se desrespeitada pela pena ou assistencialismo.
Uma... aprendeu na amizade que se fortalecia a parceria como instrumento da inclusão, do respeito às diferenças. Cair foi preciso!
A outra... acolheu a parceria. Nunca a tinham tratado assim.
Nessas andanças, ambas tornaram-se educadoras.
Uma... ainda o é.
A outra... educadora por determinado tempo... não superou a derradeira queda. Foi-se num grotesco acidente de carro.
Dentre o universo de experiências que ficaram... as flores silvestres amarelas que resistiam ao concreto no trajeto para a escola de Segundo Grau, em Pelotas.
Uma... até hoje ao olhar para as tutilas - nome dado pela outra às belas flores - envia ao além
as emoções compartilhadas no tempo em que a vida parecia estrada sem fim.
P.S. Tutilas são um belo amparo para as quedas!


6 comentários:

  1. SANDRA NAÕ SEI SE PELO TEMPO..RESOLVI LER TUDO NUM DIA SÓ E AI AI AI, QUE BELEZURA...QUE LITERATURA!
    MIRO E ADMIRO
    MARA

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  2. E eu...por algum tempo fui testemunha dessa caminhada, e embora não a tenha acompanhado em sua totalidade, senti o qto era intensa e verdadeira essa relação.
    Tornei-me o "cabide" apenas para estar ao lado delas e tentar aprender um pouco com cada uma...
    Sei que minha presença em certos momentos atrapalhava, mas azar...era maravilhoso vê-las cair no meio da rua , às gargalhadas como se o resto do mundo não estivesse ali.
    Lindas palavras Sandra. Lindas lembranças.
    Chorei...
    Lu

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  3. ADOREEEI!
    AS QUEDAS ME CHAMAM ATENÇÃO ULTIMAMENTE.KKKK
    BJ.
    PATY

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  4. Luciana
    Foi muuuita vida compartilhada nas nossas vidas de antes... e pensar que podemos continuar compartilhando torna tudo ainda mais especial. Acho que a Arlene deve estar "provocando" no além... com seu humor, irreverência e impetuosidade. Saudade "dela", de nós... de ti!
    Abraço carinhoso, amiga!
    Sandra C. Ribes

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  5. PATY
    ... o negócio é fazer das quedas um novo passo de dança! Já disse alguém! eheh
    Bjos
    Sandra C. Ribes

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  6. PATY
    ... o negócio é fazer das quedas um novo passo de dança! Já disse alguém! eheh
    Bjos
    Sandra C. Ribes

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