segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Elegância 2

A massa segue, a passos lentos, mas sem parar. Segue.
Segue comendo, amando, lendo, comprando, roubando, varrendo, trepando, numa boiada, homem-massa como bem conceituou Ortega y Gasset. Multidão.
Mas quem tem coragem de se sobressair nesta vida de gado?
Às vezes, a maneira mais simples parece ser a mais efetiva, a simples elegância de dizer-se assim como se está e como se pode ser, até ser outro de novo. Sobressair-se sem perceber.
Por isso, admiro os que se dizem, “assumindo”  alguma coisa ou alguma situação, sem perfeição, com medo, com força:
 “- É, levei uma topada mesmo, e doeu!”;
 “- Não, isso nada tem a ver com a blusa, engordei de fato!”
 “- Menti naquela hora!”
 “-Não quero nem transitar pelo terreno do “e se não fosse”. Como dizem os médicos, trata-se de uma leucemia branda. Esta é a referência agora. Namastê.”
Nesse exato momento, eles se tornam potência a nos contaminar com a sensibilidade do saber-se frágil. Deixam de ser multidão, saem do nivelamento vulgar das qualidades humanas para se destacarem na elegância da vida.

domingo, 12 de dezembro de 2010

De volta

Processo agudo. Processo crônico. Em se tratando de leucemia o adjetivo faz toda a diferença. Ao contrário do pânico inicial ante a inexorabilidade do desequilíbrio na produção sanguínea, finalmente percebo-me capaz de conviver com a síndrome que embarcou “em mim”. Esta, crônica, remete à medicação que remete à minha vida de volta – p a u s a... para meu mais profundo suspiro.

Não quero nem transitar pelo terreno do “e se não fosse”. Como dizem os médicos, trata-se de uma leucemia branda. Esta é a referência agora. Namastê!

Por isso o encerramento deste ano ganha sabor especial. Estou de volta em mim. Bem-vinda, Sandra! Como você fez falta! É... é formidável estar de volta... e ressignificada... com litros e litros de sangue a menos e milhões de litros a mais de paixão. “Pois se eles querem meu sangue. Verão o meu sangue só no fim. E se eles querem meu corpo”... Ops! Nego-me a incluir o próximo verso.

Continuo colhendo verdes e azuis, olhando de frente para pessoas e caminhos, buscando-me e buscando a boniteza também trazida pelo
caos. O caos sempre me pareceu criador. Agora, mais ainda!

Do caos espreita-me o espaço de possibilidades. Reverencio as possibilidades ou pelo menos as tentativas para enxergá-las e tateá-las, metamorfoseando.

Em meio a tudo isso... aguardam-me sandálias vermelhas, cuja exuberância está em calçá-las e principalmente em despi-las, atirando-as num impulso pelo salto... e à espreita aquele olhar com sorriso largo, capturado em minhas andanças.

Namastê!


quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Gente fina é outra coisa

     Falemos da elegância.
     Não, não falarei da moda, se isso lhe parece ser a ideia mais próxima do conceito de elegância. Não quero falar dos tecidos, dos cortes, cores, dos estilistas ou do mundo fashion. Quero falar de outra coisa; falar  da elegância, sim, mas na atitude.
     Quer coisa mais linda, gostosa, charmosa que uma pessoa elegante?
     Cheguemos mais perto: elegante no jeito de vestir? De novo, não! Apesar de achar que também se pode ser elegante com as escolhas de vestimentas que fazemos, mas ainda não é isso o que quero dizer.
     Quero falar de educação, de gentileza, de atitude!
     Acho o fim da picada as pessoas grossas, mal educadas, que só pensam em si, egoístas o tempo inteiro, realizando maldades, com inveja, queixosas.  As vezes, estão perfumadas, falam cinco línguas ou são letradas, mas não enxergam um palmo além de seus narizes bestas. Fazem questão de agirem com o tremendo mal gosto da estupidez, da rispidez, dos gestos mesquinhos. Pobres de espírito, poderíamos dizer.
     Sei que não somos perfeitos, que somos "humanos demasiado humanos" e que quebramos um barraco aqui e outro acolá, mas pera aí, falta de educação tem limite.
     Não acho que devemos ser cordeiros e deixar que passem por cima da gente só para não parecermos trogloditas. De vez em quando há que se reagir com certa firmeza... de preferência com uma firmeza elegante.
     Pois foi assim que cheguei à microcoisa de hoje: ouvi ontem de alguém sobre a recepção que seu recém-conhecido-sério sogro providenciou.
     Esta pessoa,  ao sair de manhã cedo para retornar ao trabalho após um final de semana na casa do sogro, foi agraciado com uma oferta atenciosa no café da manhã: um pãozinho torradinho no garfo. Sabe, aquele pãozinho que se esquenta no fogão? Pois então...
     Achei o máximo, elegantérrimo, alguém se dispor a tamanha gentileza  e oferecer com simplicidade este café da manhã.
     Aliás, simplicidade também é elegância. Até Mademoiselle Chanel concordaria comigo.
     Ficamos assim: elegância, uma microcoisa gigantesca!

terça-feira, 9 de novembro de 2010

MICROcoiseando o Big Bang

Vá ter paciência assim... lá na PQP!!!
Hoje tô mais para humor que angústia... Salve Jorge!!!
Passado o abalo existencial com a descoberta de que plaquetas e leucócitos se rebelaram (comigo?
justo comigo? por que?) diagnosticando-me uma "síndrome", tenho buscado não sucumbir às idas ao CEPON. Impressionante o efeito que palavras como câncer, leucemia, quimioterapia exercem sobre nossa vã filosofia. Transitar por espaços em que este é o mote, ainda mais... acreditem! Particularmente procuro encher-me de vida para encarar tudo isso como... é...há uma pedra no meio do caminho. Já me sentia mutante e desde o citado impacto - o meu Big Bang - esta ideia se materializou: Sandra, Mutante 9 22!
Tirando a burocracia (&*+¨#@*¨#!*&%$-@!) normalmente nada a serviço da vida, o Centro Oncológico proporciona encontros fabulosos, desde profissionais da saúde (médicos, enfermeiros) a pacientes (nunca gostei desta denominação, não sou e nem considero aquelas pessoas pacientes/apáticas. Vou descobrir um termo que me/nos valha!). Bem que lá precisamos verdadeiramente de paciência, pois a Lei de Murphy se aplica minuto a minuto... se algo pode dar errado, com certeza dará!
Então, haja humor!!
É com humor que passamos intermináveis horas a esperar a consulta médica. Como não faço quimioterapia ou radioterapia - minha droga é via oral - normalmente sou das últimas a entrar no consultório. Justíssimo!!! Acolho com sensibilidade e convicção.
Lá passei por vários estágios: entrar muda e sair ainda mais, chegar zumbi e sair sem alma, chegar e sair com aquele terrível nó na garganta, algumas vezes transformei-o em horizontes, chegar cheia de energia e entregar-me à leitura, chegar flutuante e sair capturada pelo riso. Já saí aos prantos e com muita raiva, também com a sensação de "poxa, eu não merecia isso"... mas alguém merece? Quem ou o que definiria? Transitar por e expressar todas estas emoções tem sido revitalizador. Sempre, sempre, sempre coloco-me observadora... há que olhar para além dos limites do próprio umbigo.
Tenho encontrado gente fantástica. Com elas, além de trocar experiências de vida, tenho rido muito. Talvez o riso seja elixir nas (des)graças.
Hoje uma senhora contava o quanto o exame de medula lhe provocou pânico, não conseguindo parar de chorar e gritar, seu escândalo perpassou todos os cantos do Centro... e que uma das enfermeiras, tentando ajudá-la, disse que cantaria, sua escolha então foi música sertaneja. Hoje, já pode rir disso.
Outra moça ria ao comentar que os médicos receitam "vida normal" em meio à quimio e à rádio e aos terríveis efeitos colaterais. Explique-me, doutor: como se faz isso?
Quanto a mim, inesgotáveis as vezes em que sou questionada ao perceberem o crachá "consulta" e não "acompanhante": "e tu, com essa cara, o que tens"? Desfiar o rosário "tenho... tenho não... estou com um tipo de leucemia" faz com que me perdoem pela cara (normal?) e me incorporem. Desculpem, esta é a minha cara e estou com LMC!
Nem vou refletir sobre a tal normalidade... porque aí sim posso perder o humor.
O Big Bang continua promovendo vida. Espero que o meu Big Bang esteja em sintonia com tamanha explosão de energia.


domingo, 7 de novembro de 2010

MICROcoiseando no cinearth

Bem-vindo, França, 2009, direção de Philippe Lioret. Filme que me chamou ao auditório do Museu da Escola Catarinense (antiga Faed, UDESC) no final da tarde de ontem. Público pequeno para fabuloso filme. Enredo? O nu e o cru em sintonia com a sensibilidade: situação de imigrantes ilegais iraquianos que no Porto de Calais a duras penas, tentam migrar para a Inglaterra. Num contexto de indiferença, preconceito, tortura e individualismo, eis que se constroi forte vínculo entre o francês Simon, professor de natação e o adolescente curdo Bilal, que acalentando tornar-se jogador do Manchester e principalmente reencontrar a namorada, tendo fracassado nas tentativas de atravessar clandestino em navios cargueiros, resolve fazer a travessia do Canal da Mancha a nado. O que significaria cerca de dez horas nadando em baixíssimas temperaturas. Não vou entrar em detalhes para que vocês possam assisti-lo. Quero neste espaço dividir o que me tocou profundamente nesta história. Aquilo que experimento ao compartilhar cotidianos com moradores de comunidades empobrecidas. Conviver com a ideia de que há pessoas desprovidas do direito à vida, à dignidade, aos direitos civis, ao acesso às políticas públicas é uma coisa. Outra e muito difrente é transpor esses dados numéricos, estatísticos (que até podem sensibilizar) e se "deixar tocar" pelo fato de que o recheio de cada número, a substância de cada estatística é um rosto, um nome, uma história de vida... um ser, uma pessoa, um sujeito. Nos deixarmos tocar pela existência deste sujeito e suas circunstâncias é que faz toda a diferença. A cada ser que encontro e acolho em sua humanidade passo a ser mais eu e a fazer escolhas em nome da vida. Grata, Susi, pelo convite do Cinearth!





MICROcoiseando

O "MICROcoisas" - lançado no dia 10 de setembro e que já pode ser adquirido na Saraiva, na Livros&Livros, na Catarinense e conosco, suas autoras - ganhou mundo. Autônomo, independente, dono de si... continua a (nos) provocar, pois não há como deixar de escrever. O MICROcoisas nos nocauteou, esta é a verdade! Então, enquanto a humanidade (eheh) aguarda o MICROcoisas 2 ou algo do gênero, usaremos este blog para registrar e compartilhar nossas escrivinhações. Escrivinhações advindas da singularidade com que cada uma de nós experimenta a vida. Pés no chão, olhar no horizonte... em metamorfose!

domingo, 26 de setembro de 2010

Registro vulgar

    Eu não sei quem começou isto, mas falar sobre os nadas me apraz. Falar sobre coisas que parecem desmerecidas, coisas dadas como bestas muito me agrada. É o desfalcado do primor, perdido dos bem feitos. É o  poder das microcoisas (des)assentando a poeira.

Uma Rapidinha


    Tá difícil usar a língua. Tá difícil de casar.
    Cheguei na  festa e me perguntaram se estava com meu marido ou namorado e eu com certeza linguística respondi:
―Estou anexo com!